18.8.08

Realizadores de Macau juntam-se em filme intimista
Os Contadores de Histórias

Um grupo de quatro realizadores independentes juntou esforços e recursos e filmou Histórias de Paróquia, uma viagem ao âmago da verdadeira Macau. Rodado nas zonas mais populares da península, o filme pretende dar a mostrar cenários e pessoas genuínas, por contra-ponto à Macau do Glamour dos grandes casinos e empreendimentos

Alice Kok

Com os olhos do mundo posto na Macau do lendário sector do entretenimento, indústria do turismo e jogo, as pessoas da terra não se revêem nas imagens que mostram Macau como a Las Vegas do Oriente, que consideram ‘fantasiosas’ e desfasadas da realidade.
Para alguns, que aqui viveram e vivem desde a infância e adolescência, a imagem do novo legado de Macau – a que é promovida pelos anúncios de hotéis e casinos - não reflecte em nada o sentimento que têm sobre a sua própria cidade.
Apostado em dar o seu contributo para a reposição da verdade, o realizador local Albert Chu deitou mãos a um ambicioso projecto que é – no fundo - uma tentativa de redefinir a identidade da cidade. ‘Macau, que sou eu?’ começou a ser rodado em 2006, e a primeira parte foi mostrada ao público como um filme documental no Fringe Macau, em Novembro do ano passado. No início deste ano, Chu começou as filmagens da segunda parte, um conjunto de “histórias de paróquia”, cuja fase final das filmagens foram rodadas nos últimos dois meses.
Num artigo publicado na edição deste mês da revisa macauCLOSER (www.macaucloser.com) Albert Chu revelou que este mais recente ‘forcing’ no ritmo das filmagens é uma tentativa para que a película esteja pronto a tempo participar no concurso do Festival de Filmes Asiáticos de Hong Kong, que tem lugar em Setembro. O realizador pretende igualmente mostrar a sua obra ao público local, no Centro Cultural Macau, logo que fique concluído o processo final de montagem.
Dividido em quatro secções, o filme multi-directorial é composto por uma série de várias curtas-metragens da autoria de outros realizadores locais. Uma obra conjunta do próprio Albert Chu e de Vincent Hoi, Ho Ka Cheng, Chan Ka Keong. Como autor e promotor do projecto, Albert Chu explicou que o conceito das histórias de paroquia, reflecte uma Macau ‘oficiosamente dividida’ em diferentes bairros, consoante os nomes das suas diferentes igrejas. ‘Macau, Que sou eu? é uma visão intimista de pessoas da terra, sobre a sua própria terra”, explicou o realizador.
O guião foi construído seguindo a preferência de cada um dos realizadores. Foram identificados e escolhidos quatro bairros – ou distritos - em três paróquias: a paróquia de nossa Senhora Fátima, na Ilha Verde; paróquia de São Lázaro, desde a zona da praceta dos três candeeiros (na Avenida de Horta e Costa) até ao Albergue da Santa Casa da Mesericórdia (Tap Seac); e a paróquia de Santo António (Jardim Camões)
Nos últimos dois meses, a equipa de produção composta por cerca de 20 elementos, ‘tomou conta’ destes bairros típicos da cidade, filmando cena, após cena, compondo histórias que têm inspiração neste minúsculo pedaço de terra que é Macau.

Primeiro Acto

Ho Ka Cheng, o mais jovem do grupo dos realizadores, foi o primeiro a começar as filmagens. Licenciado em cinema pela Universidade Nacional de Artes de Taiwan, Ho Ka Cheng regressou a Macau em 2007 e é professor da disciplina de artes visuais no colégio São de José de Brito.
O seu filme, intitulado ‘Os Melhores e os Piores Momentos’, tem a Ilha Verde como cenário da trama. O realizador de 29 anos justificou a escolha por ser ali que a sua família vice há quase três décadas: “A Ilha Verde tornou-se, com o passar do tempo, num distrito desabitado, uma zona fantasma. Foi durante muito tempo uma zona de acolhimento para refugiados que demandavam Macau, e a maior parte das casas eram cosntruções de residência temporária”, explicou Ka Cheng. A história desenrola-se em torno de um visitante do continente que vem a Macau. No papel desempenhado pelo actor, Dicky Tsang, o turista - de 30 anos - é visto a vaguear pelas ruas da Ilha Verde como se estivesse à procura de algo entre os destroços das habitações temporárias, entretanto parcialmente demolidas.
“O argumento não tem diálogo, por isso não tinha nada para dizer”, lembra o actor. “Foi um trabalho difícil porque o realizador pediu-me para dramatizar o menos possível, e eu estou habituado aos palcos de teatro. Mas Ka Cheng queria uma representação o mais ligeira possível.” Ka Cheng, o realizador, justifica: “ a personagem está à procura de algo, e eu quero que a história se abra lentamente, sem qualquer ímpeto.”
Esta atmosfera de imponderabilidade é introduzida com o objectivo de provocar um sério contraste com o ‘boom’ económico e social porque Macau tem passado nos últimos anos. “Como podemos ver pela história do filme, este lugar permaneceu marginal ao resto do desenvolvimento social e urbano e é um símbolo da pobreza deste local ao longo dos tempos. Hoje, há já vários grandes projectos imobiliários projectados para este distrito, mas – de uma certa forma a Ilha Verde continua a ser a zona para onde o Governo desloca as pessoas de menos recursos. do governo para ajustar a gente pobre. A grande dúvida que está na base da trama é esta: será que o desenvolvimento económico vai beneficiar todos os estratos da sociedade?”, interroga-se o realizador.

Segundo acto

A segunda história, realizado por Vincent Hoi, leva-nos até ao Bairro de São Lázaro, nas imediações do Albergue da Santa Casa da Mesericórdia. ‘Avião de Papel’ ( Paper Plane), é a primeira curta-metragem deste realizador, e é quase uma sequela do mais recente trabalho de grande fôlego, o filme ‘Antes do Nascer da Alvorada’ (Befor Dawn Cracks), estreado no Festival de Cinema Asiático de Hong Kong, em Setembro do ano passado.
“É a primeira vez que faço uma curta-metragem, o meu filme só dura 20 minutos. E gostei muito desta experiência. Nas longas-metragens temos que levar em consideração – ter muita atenção – a reacção do público, porque ele pode sentir-se enfadado e não prestar atenção durante uma hora. Numa ‘curta’, em 20 minutos, podemos lançar algumas ideias loucas, e o público não tem sequer tempo para chegar a odiar o filme”, diz entre risos.
Vincent Hoi apostou em filmar à noite, tal como já o tinha feito em ‘Antes do Nascer da Alvorada’. ‘Avião de Papel’ é uma história sobre um encontro fortuito entre um gerente de um casino - de 50 anos - e um jovem de 18 anos, às portas do Albergue, em São Lázaro que começa precisamente na noite do quinquagésimo aniversário do gerente do casino. O personagem sente-se terrivelmente solitário e triste, lamentando ter perdido os ideais que tinha aos 18 anos. Casualmente, encontra este jovem – um desconhecido – com quem começa a falar sobre o seu passado. A noite – e a trama - prossegue como se de um sonho se tratasse. “É um filme sobre a solidão,” diz o realizador. “De facto o personagem encontra alguém com quem falar, mas no fundo é como se estivesse a falar sozinho, consigo próprio. A mim acontece-me com frequência falar em voz alta comigo próprio, sobretudo quando estou a editar no computador, e perco material por não o ter gravado. Na maior parte das vezes acabo a gritar comigo próprio”, diz, novamente entre sorrisos.
Pese embora Vincent Hoi seja uma pessoas alegre e comunicativa, os seus filmes são - na maior parte das vezes – negros e solitários.
Vicent diz ter tido uma ideia louca e atrevida, que queria concretizar em plena praça do Tap Seac
“Veio-me à cabeça a ideia de para queimar uma tenda de campismo no meio da praça, mas hesitei muito porque temi que as filmagens não fossem bem recebidas pelas pessoas que habitam nas vizinhanças. Quanto mais pensava, mais incomodado ficava. Até que uma noite, um dos meus colaboradores telefonou-me e disse para parar de penar e ir mesmo filmar. Disse que sim, e eles avançaram: ficou uma cena lindíssima, com a tenda a ser consumida pelas chamas, até ficar reduzida a cinzas.” Para concluir filosoficamente que “há coisas na vida que são irrecuperáveis.”

Terceiro Acto

Mais jovem, Chan Ka Keong, tem preocupações diferentes das de Vicent Hoi. À beira de completar 30 anos de idade, Chan tem um maior fascínio e atracção por questões sentimentais e afectivas.
Chan Ka Cheong construiu a sua história nos cenários reais da zona do Ninho do Pombo, o nome popular porque também é conhecido o distrito que abrange a área envolvente ao Jardim Camões.
Situada nas traseiras das Ruínas de São Paulo, este é o segundo distrito mais densamente povoado de Macau, só superiorizado pela zona norte da península.
“Quase por milagre, esta zona ainda está imune ao crescimento frenético pelo qual Macau tem passado e está a passar. Por exemplo, as placas de sinalização rodoviárias ainda são as antigas, não as modernas que vemos no resto da cidade.” O jovem realizador diz-se fascinado e atraído pelo facto de tantas pessoas ali continuarem a residir e a viver o seu dia-a-dia, e foi essa razão porque ali decidiu filmar.
Centrado nas vidas de duas mulheres, uma de 17 anos e a outra de 27, o filme Expectativa é composto por excertos de discussões e diálogos. Antes iniciar as filmagens, Ka Keong fez uma profusa pesquisa na internet em blogues no feminino.
“A minha ideia inicial era que o filme fosse uma espécie de observatório do que é ser mulher. Tenho uma grande curiosidade e vontade em tentar entender os sentimentos porque passam as mulheres, na transição da adolescência para a idade adulta. E de facto aprendi imenso durante a fase de pesquisa”, revelou o realizador. Ao aprofundar os seus conhecimentos através das pesquisas na internet, e no seu circulo de amigos mais próximos, o realizador diz ter chegado à conclusão de que no fundo as dúvidas da mulher assentam “entre as fantasias do momento e as inquietudes em relação às incertezas do futuro.”
“É um sentimento de incerteza, que se revela de uma forma muito subtil. Sonhamos com o futuro, mas ao mesmo tempo sentimo-nos limitados pela realidade concreta que é o presente. O que eu quis fazer com este filme foi explanar as sensibilidades ao nível psicológico do encontro destas duas mulheres que – em condições ‘normais’ – nada teriam a ver uma com a outra. No meu filme, a fantasia e a ansiedade misturam-se e examinadas de um ângulo de grande proximidade.”

Quarto Acto

Já Albert Chu escolheu uma abordagem auto-biográfica para o seu fime ‘Altura Certa’ (The Right Time).
“Cresci no distrito da zona da Avenida Horta e Costa e ainda ali vivo. Perdi a minha mãe recentemente, e durante todo este tempo (de luto) ganhei um afecto especial por este lugar. Uso o meu filme para exteriorizar esses sentimentos.”
A história tem três personagens principais: uma anciã, um homem e uma menina. A acção tem lugar na Praceta dos Três Candeeiros, numa transversal à Horta e Costa. A anciã prepara-se para ir viver para um lar, e quer guardar algumas memorias do lugar onde viveu a maior parte da sua vida. Pede ao seu vizinho, um professor de fotografia, que a ajude. O homem, que acabara de perder a sua decide ajudá-la. Quando estão prestes a meter mãos-á-obra, o professor encontra-se com uma jovem estudante, e os três decidem fazer um projecto conjunto. “O filme dura 20 minutos, e filmei 40 cenas diferentes. No entanto não queria que a história fosse demasiado dramática; quero que ele se pareça com a vida comum, tal qual ela é. Por vezes, só conseguimos traduzir fielmente as sensações quando o drama é reduzido ao mínimo possível.”
Cenas, após cena, os espectadores são guiados numa viagem pelas ruas de Macau, nas perspectivas e sensibilidades que estão reservadas às pessoas que vivem e têm os lugares onde vivem perto do coração.
Pelos olhos destes realizadores, seremos capazes de compartilhar memórias da vida: individuais e colectivas. “É tudo uma questão de ‘timing’. Acho que esta é a altura certa para criar um projecto fora de algo que nos é familiar e comum, mas que por vezes podemos perder e esquecer no tempo.com mas poderíamos ter-nos esquecido. Com o seu sorriso peculiar, Albertu Chu conclui: “Esta é a nossa Macau.”

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